domingo, 6 de abril de 2014

Coração Calado


As gaivotas não contemplam o pôr do sol.

E poente que admira todas as tardes há revoada.

(Magnificando de maneira sublime seu voo.)

Disto tenho quase toda e completa certeza.

Assim como gostaria de morder a bochecha de um crepúsculo,

E beber o delírio húmido do orvalho na alvorada.

Por muito tempo achei que me sobravam parafusos. Até descobrir que carrego os de menos.

Os De Menos, os abandonados me interessam. Perto deles sou livre da timidez

(Está dadiva perversa que me acompanha deste os tempos remotos)

O Abandono, talvez por prática própria, é liberto da usura.

Querem pouco, almejam nada. E tem tanto a nos ensinar – andarilhos de ouvidos atinados!

Não sou tímido por obra do acaso, ou descaso da genética.

Pouco menos me importa as rédeas que me conceituam difícil.

Tenho um prazer por este vício inestimado na superficialidade alheia

É profundo de mais meu abismo pra permitir entregar outros.

Entretanto, jamais travarei briga ou inimizade com alguém - me confidenciou certa vez uma amiga.

 (Ela me conhecia mais que eu? E Já se vai tanto tempo)

Pouco me conheço, bem como poucos se conhecem por inteiro.

Seria um exagero admitir que no relento caminha minha identidade

Só assim pra rejeitar mamadeira, no auge dos nove meses de idade, e tomar leite no copo.

Eu tenho um dom de liberdade.

Uma vocação de independência.

Uma doação de autonomia.

Uma procrastinação pra piedade.

Quase nunca pedi algo ou demonstrei fraqueza.

Tenho tantos de outros em mim. Carrego tantas dores,

adentro olhos em leituras dinâmicas. (Inconsistente é obvio.) 

E há quanto tempo não conheço alguém que reconheça meio Eu.

Até que no lixo, um preto e pobre, miserável Poeta

Recitando Cecilia Meireles. Me deixa mudo e outra vez sem resposta:

- “Porque você é assim? Pra que tentar abraçar o mundo? Teu coração não cabe dentro do tamanho de seu peito!”

Livre ave, um poeta cheio de palavras com a boca em silêncio, sem resposta.

Preso as armadilhas do tempo e do espaço, transeuntes.

E como nadar em dinheiro e não haver nada pra comprar.

Como sentir fome, segurar um caqui na mão e não poder morder.

Como sentir sede diante um rio e não conseguir beber.

Como um arqueiro sem mãos. Um cavaleiro sem pernas.

Uma águia sem presas. Um tamanduá com pressa.

Como um atleta piado. Um artilheiro sem gols.

Um canoeiro sem rio. Uma canoa sem remo.

Pólvora sem pavio. Barão sem escravos.

Navegador sem bússola. Mestre sem discípulos.

Carpinteiro sem compasso. Agricultor sem terra.

Como os tímidos platônicos. Amante sem amada.

Lá onde os pensamentos engarrafam na boca,

E as palavras arranham e travam na escuridão da garganta.

Neste olhar que vai fundo - mais profundo que poço em deserto -

Vasculha o céu em busca de algum pergaminho perdido.

Cruel vida ou destino dos sonhadores, não. Ave Maria. (Dona e senhora de nossas graças.)

A gente que é besta, vive buscando as respostas exatas com as pessoas retas.

(Ou pessoas certas insistindo com as perguntas erradas.)

Estes são, por hora, martírios de um coração aluado.

Tímido, lúcido e sem respostas. Afogando em seu leito.

Para o preto e pobre, miserável Poeta fiquei devendo o lamento:

- Como mandar embora a Timidez!?

Entretanto, desconfio que esse seja o preço que pagam,

Os que observam e absorvem o mundo...

 

(Iberê Martí)

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