Hoje
eu acordei surdo, dos ouvidos, sem nada ouvir. A princípio, ignorei. Esperei,
com a certeza de que ia passar. Mas passou o tempo e a surdez não passou. Depois
desesperei. Fiquei com medo de ser pra sempre. Pensei coisas medonhas, mas com
o tempo me acalmei. Fui ouvir música, as atuais paradas de sucesso. Mas o rádio
silenciou-se. Eu nunca tinha reparado o quanto o silêncio é melhor que as
músicas atuais. Resolvi ler um livro. Nunca a estória de um livro foi tão real
e sonora. Ao assistir um antigo filme, nunca Charles Chaplin fez tanto sentido.
Hoje, eu ouvi o silêncio das bocas cansadas, das palavras que são tão inúteis.
Me senti Bethoven ao ouvir música clássica. Me senti Van Gogh ao ver um quadro.
Me senti ignorante diante da ignorância moderna. Não sei como vou acordar
amanhã. Talvez eu vá num médico. Mas cheguei a conclusão de que, por um dia, o
mundo deveria acordar surdo, pra aprender
que o silêncio não é a ausência de voz. As vezes, é a ausência de
barulho desnecessário.
(Stéphano
Diniz)
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