As
crianças são criaturas livres para o âmago da descoberta. Ao passinho de seus
caminhos vão refazendo a lógica orbital do “conhecimento” adulto. Aquilo que
trancafiamos em conceitos e valoramos ao mensurar os primórdios da moral. Mas os
pequenos, as crianças, agem de forma simples e sutil. Não carregam eles, ainda,
o peso da história, e do acumulo histórico fruto da sociedade. As crianças,
livre dessas parafernálias agem apenas por instinto. Sorriem por instinto. Choram
por instinto. Sonham por instinto. É acreditem amigos, mesmo livres de asas
voam por instinto. Deve ser por este motivo, que um poeta - em determinado
espaço e determinado tempo - teria dito: são as Crianças as verdadeiras percussoras
do Futuro.
Eu
mesmo, certa vez, conheci um menino. Na real, não conheci, (re)encontrei. Havia
perdido ele a muito tempo, pro Tempo, nas convenções mundo a fora. Acreditem amigos,
esse menino sem perceber, agia e sonhava como se o impossível fosse apenas uma
palavra, e jamais uma impossibilidade. Acreditava o menino, que poderia criar
um dialeto próprio e inventar seres que o praticavam. Acreditava que poderia
atravessar o centro da terra com as mãos. Acreditava que atrás do infinito, do
céu, era onde os anjos moravam ou talvez se escondessem. Acreditava que as
nuvens eram feitas de algodão-doce, e que a neve é quando as nuvens caem adocicando
a secura do chão. Certa vez mesmo, ao conhecer o teatro de fantoches acreditou piamente
que havia descoberto o segredo dos pássaros. Eram eles, os pássaros, guiados
por linhas controladas por um homem carismático e sorridente que se escondia atrás
do azul.
Acreditem
amigos, esse menino era mesmo sonhador. Ele era capaz de criar seu universo
perfeito, bastava lhe oferecer uma lata de óleo (naquele tempo óleo era
armazenado em metal), um pedaço de madeira moldado, um chinelo velho, pedaços
de arame e alguns pregos/arrestas, e pronto: havia reinventado o carro. Com um
pedaço de papel e linha construía um lagarto semelhante a uma pipa, que logo
riscava o colorido do céu. Era até mesmo
caçador de pirilampos. A noite o que incendiava suas ideias eram os vagalumes. Acreditava
o menino, e acreditem amigos, pasmem, que os vagalumes carregavam intrínsecos
em si o segredo da Luz. É o menino, como os vagalumes, também queria ter
iluminação própria.
O
menino era muito supersticioso, todo mês de junho, antes mesmo de saber de fotoperíodos
e de estimuladores hormonais, rezava pra São Pedro trazer a chuva do caju. E
sonhava e tentou por várias vezes construir uma casa na árvore, no pé-de-caju.
Acreditava que ali, nas alturas das árvores, estaria mais perto do divino e dos
pássaros. Isso sem falar no pião que que ele fazia rodopiar no ar, enfrentando
a gravidade ao encontro de sua pequenina mão. O mundo estava ali girando sob a
ótica de seu pequenino controle. É assim ele imaginava a terra girando em torno
do sol, como um pião constituído entre as leis da gravidade e da física.
É
sempre que ouvia nas aulas de geografia que o mundo não para de girar, logo
pensava: “dizem que o mundo gira, eu nunca vi ele girando, mas acredito que
seja verdade”. É sonhava um dia ir até a lua pra observar a terra girar,
acompanhado de São Jorge, obviamente, e seu cavalo e sua lança. É foi
acreditando, acreditando, e acreditem amigos. O menino se perdeu no absurdo da
descoberta, dos sonhos das utopias. Tempo cruel. Um ator trágico que elimina as
possibilidades, que caminha junto ao infinito do nada. E o instinto, a Intuição
que elimina com os anos e as horas.
Hoje
o menino perambula atônico por uma carcaça morta e mórbida: monótona. Uma carcaça
frugívora e careta, e acreditem amigos, Carente. Uma carcaça que mal suporta
seu peso, sua solidão e o Além. Uma carcaça que acredita inteligente, e que credita
e confia que é a Inteligência a percussora do Futuro. Hora bolas! Exclama dentro
do peito o menino. Como assim? Foi a inteligência que fez o homem construir o
avião, mas foi o intuito (a intuição) que fez o primeiro pássaro alçar a
possibilidade de plainar voo entre os átomos gasosos dos ares. Foi a inteligência que fez o homem inventar a
escrita, mas foi a intuição de caçador que fez observar as pegadas dos bichos e
só depois, muito depois então, tentou institivamente gravar e eternizar a
memória, as lembranças, os aprendizados nas rochas das cavernas.
É
muito mais amigos, pensem como o nosso amigo menino. Foi a inteligência que fez
o homem construir o automóvel, mas foi o intuito ao ver pedras redondas rolando
sobre montanhas que fez imaginar um dia a roda. Assim como foram os cangurus
que levaram a acreditar que seria possível bolsas e sacolas, e demais formas de
armazenamento móvel. É foram os castores que ensinaram a fazer barragens, diques.
É foram os passaram que espiraram o homem a cantar.
É
foi o barulho e os círculos formados no contato de pedras na água que ensinaram
sobre a gravidade e sobre o controle instintivo das melodias. Foram as corujas
e as cobras que ensinaram sobre as camuflagens, as espreitas e as guerras. É foram
as abelhas as percussoras dos açucares. Bem como o menino tem quase certeza que
foram os felinos que ensinaram as mulheres as suas defesas, e os caninos que
ensinaram os humanos quanto a lealdade. É foram as formigas que cultivaram a
arte das construções, inspirando a sociedade, as organizações sistemáticas e os
abrigos.
A
razão e a lembrança nós aprendemos com os elefantes. É foram os cavalos que nos
ensinaram a enxergar além, com o olhar de crianças. Que diante a solidão
constroem amigos imaginários. Que diante a tristeza constroem seus próprios
brinquedos. Que diante da impossibilidade criam logo o impossível imprevisível.
É que fronte a Tudo nadam junto ao Nada. Pelo bel prazer, puro e inocente do
Instinto, da Intuição. É assim como os meninos são os poetas. Que diante da
realidade camuflam-se na Utopia! É isso amigos, por mais que o peso do Tempo e
da memória nos imponha o poder da inteligência, da razão, da racionalidade. Não
existe pra onde fugir, sempre serão as Crianças e os Poetas os percussores
intuitivos da enteléquia dos dias e das noites. Intuição é a Arte de carregar os olhos
sob o Além no vasto infinito!
(Iberê Martí)
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