sábado, 13 de julho de 2013

O Menino e O Tempo


Um dia, em certo lugar (ou em vários lugares) havia um Menino, nem triste e muito menos solitário: um menino feliz; apenas um problema o atormentava: O Tempo. O Tempo que lhe roubava o jogo-de-bola por que era hora do almoço; O Tempo que lhe furtava a convivência com os amigos, justa e justamente, na hora mais legal da brincadeira: pois tinha que ir a escola; ou cortar o cabelo. O Tempo que terminava com a brincadeira–de-roda ou de esconde-esconde por que era hora de dormir, de deitar: por que Ele (O Tempo) estaria esperando ao amanhecer. O Tempo interrompia cada instante de felicidade do Menino: parecia um inimigo: um inimigo oculto, que apenas os adultos conheciam. O Tempo era muito chato, e o Menino queria conhecer O Tempo e conversar com ele, ter um dialogo franco (ainda menino e já tão audacioso). Entrar em comum acordo pensava o Menino: - “quando conhecer O Tempo vou perguntar por que tem tanto prazer em conter meus momentos de alegrias! Vou sim, vou perguntar a Ele.” Pensava e a si mesmo respondia.

Mas, o Menino era muito atento aos detalhes e as conversas dos adultos. Em uma dessas, escutando (ocultamente) uma conversa de adultos, ouviu um segredo: os Velhos são sábios. Logo pensou: se Sábios, então devem conhecer esse tal de o Tempo. E daquele dia em diante, iniciou uma busca infinita (sem preocupar com tempo). Em todos os lugares que pairava passear, perguntava a alguém que lembrasse um Sábio: -“Quem é esse tal o Tempo? Quem é Ele? Onde Ele mora? Posso conversar com Ele? Preciso, necessito conversar com O tempo!” E mais um monte de perguntas. Muito tempo passou, e o Menino cresceu: sem nunca haver encontrado, com um único Sábio, a reposta de sua simples pergunta.

De tanto tempo, tornou-se adulto. O Menino agora, já não quer conhecer o Tempo: sua morada, sua fisionomia, suas respostas ou fazer lhe perguntas. Tornou-se obediente ao melindroso. Ficou preso aquela monotonia adulta e desde então o que fazia - o antes Menino que se tornará adulto - feliz era justamente o Tempo: e não cansava de repetir: -“Oh! Mais esse Tempo com sol me deixa muito feliz. Oh! Mais ontem eu estive um instante de Tempo com um amigo antigo, de infância, e isso me deixa muito feliz. Oh! Hoje eu almocei em Tempo, em cima da hora, nem tive tempo de daquele cochilo pós-refeição. Oh! Queria tanto ir ao aniversário de meu melhor amigo, mas acho que o Tempo não vai deixar.” E sem perceber, sempre faltava tempo de ser feliz, de observar as minucias do cotidiano e as cores das flores nos canteiros, por falta de tempo.

O Menino passou a controlar a vida dos outros meninos (filhas, filhos de vizinhos e amigos, sobrinhos) utilizando o mesmo artificio, o Tempo, que lhe tirava a alegria quando ainda criança, Menino. O Tempo, de pendulo, tornou-se o fio de sua vida, o fio (o Sujeito) de sua história. Pois um determinado dia, embutido e apressado de Tempo, perdeu a hora e não chegou a tempo de ver a apresentação de sua filha mais nova na escola: e a escola estava cheia de adultos controladores do tempo: que não permitiram que o Menino assistisse a apresentação. Tentou argumentar explicar, resolver, mesmo após tanto tempo, não havia perdido aquela audácia de menino. Pouco adiantou: o relógio é cruel e frio: “ele só anda de ida”, dizia o poeta, Manoel de Barros.

Desistiu de lutar, e cabisbaixo saiu pelas ruas sem prumo, sem rumo, sem tempo: a caminhar. E recordou de quando menino e as perguntas que faria ao Tempo caso um dia encontrasse. Sorriu (um riso tolo) e pensou: -“Quando era menino, vivia descontente com o Tempo. Com o tempo, O Tempo venceu: agora aqui estou eu: me entreguei ao Tempo, e é essa sua gratidão?”... Caminhou, e caminhou, tanto que nem percebeu que se aproximara daquele antigo Lago, que frequentará quando criança, onde lançava pedras na água para observar os círculos que se expandiam como se enfrentando o Tempo e a gravidade: a qualquer hora o movimento era o mesmo, com a mesma calma, a mesma destreza e a mesma precisão. Às vezes redirecionada pelo vento – a reação em revoltas na água do lago.

Assustou-se quando viu uma velha Figueira; aquela mesma Figueira onde se escondia dos adultos quando queria ser dono de seu tempo e que se tornará sua fiel confidente contra os desmazelos do Tempo. E sussurrou: “Você ainda está ai? No mesmo lugar? Como esses mesmos cabelos se entrelaçando no chão? Há quanto Tempo, não tenho tempo, para nossas sublimes confidências. Eu não sou mais digno de ti: minhas confidências agora são de repressor, não mais de reprimido. Não sou digno de ti amiga e confidente: Figueira.” Abaixou a cabeça, com ânimo daqueles que aguardam a injeção letal, consequência de um instante de tempo em que errou, e que foi condenado pelo juiz tempo. E já pensava em partir com sua indignidade para outro lugar, onde o Tempo não remetesse aquela liberdade perdida.

Foi quando ouviu uma voz: - não se avexe com o Tempo; o Menino ainda está vivo, ai dentro de você. Você que buscou tantas respostas e que fez quantas perguntas. Entretanto esqueceu, que o segredo que os Velhos Sábios se esqueceram de lhe contar é que os meninos, as crianças sempre se esquecem do Tempo. Este é o seu segredo, essa é sua resposta. Agora que tem a resposta, conte esse segredo a todas as crianças que atravessarem o seu caminho, faça uma nova geração: ainda há tempo. Pois os adultos já foram sepultados pelo invisível, inalcançável e terrível: Tempo. Conte o segredo, espalhe pelos quatro cantos: o segredo para ser feliz é não buscar a felicidade no tempo- é esquecer! O Tempo não pode com as crianças, com os meninos e meninas, confidenciou certa vez Mário Quintana:

Tempo

"O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem nós,
para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho           
paralítico a tocar a campainha atroz.
Nós
É que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de
rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho… Mas que raiva impotente dá no Velho
quando encontra crianças a brincar de roda e não há outro jeito senão desviar delas a sua cadeira
de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram…"

(Iberê Martí)

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